O Silêncio dos Bebês
Dona Lúcia entrou no ônibus segurando seu bebê reborn com tanto carinho que, por um instante, ele parecia real. A manta bem ajustada, o cuidado ao apoiar a cabeça, a forma como seus dedos deslizavam suavemente pelo rostinho de vinil—tudo nela transbordava um instinto maternal genuíno.
Mas para quem olhava de fora, era só um boneco.
O motorista franziu a testa. Uma senhora cochichou algo para a amiga. Um rapaz no fundo riu baixinho. O desconforto no ar era palpável. Sem se abalar, Dona Lúcia sentou-se no banco preferencial e começou a balançar suavemente seu bebê reborn. Até que uma mulher, visivelmente incomodada, se aproximou.
— A senhora não pode sentar aqui. Esses lugares são para mães de verdade.
Dona Lúcia levantou os olhos, sem raiva, sem ressentimento. Apenas com um cansaço antigo, desses que vêm da alma.
— E quem decide o que é de verdade? — perguntou, com voz serena.
A mulher bufou, apontando para o bebê.
— Isso aí é um brinquedo!
Dona Lúcia sorriu de leve e ajeitou a touca do boneco.
— Para mim, é um consolo.
O silêncio tomou conta do ônibus. Algumas pessoas desviaram o olhar, outras fingiram não ouvir. Ali, naquele instante, a polêmica dos bebês reborn se materializava em algo maior do que um simples brinquedo. Era sobre dor, sobre ausência, sobre a necessidade humana de preencher vazios.
Nos últimos meses, o debate sobre esses bonecos hiper-realistas tomou força. Há quem os veja como uma terapia válida, uma forma de lidar com traumas, com perdas irreparáveis. Mas há também quem enxergue um perigo. Psicólogos alertam que, em alguns casos, o apego excessivo pode indicar um luto não elaborado, uma solidão paralisante ou até mesmo um transtorno psicológico mais sério.
Quando o vínculo com um objeto ultrapassa o limite do conforto e passa a substituir completamente a interação humana, pode ser um sinal de depressão profunda, ansiedade ou fuga da realidade.
A sociedade oscila entre a compaixão e o julgamento. Alguns veem os reborns como uma válvula de escape saudável. Outros os encaram como um reflexo de uma cultura que, ao invés de enfrentar suas dores, escolhe viver de paliativos.
O ônibus seguiu seu caminho.
Dona Lúcia, alheia às opiniões que se acumulavam ao seu redor, continuou ali, balançando seu bebê reborn com a delicadeza de quem, no fundo, só queria sentir algo que a vida lhe negou.
Porque, no fim das contas, não se trata apenas de um boneco. Se trata daquilo que mora no coração.
Mas até que ponto um coração pode suportar a ilusão sem se perder nela?
Cláudia Forte.